A milanesa Viviana Venneri desbrava as grandes metrópoles com um olhar único.
No intuito de partilhar experiências de recém-chegados da Itália no Brasil e no mundo, a comissão Nuovi Arrivati traz ao site do COMITES de São Paulo entrevistas exclusivas com pessoas que partilham seu olhar e repensam sua identidade onde chegam.
Nossa primeira convidada é Viviana Venneri, uma viajante urbana que ama observar as pessoas, tirar fotos de graffitis, ouvir de canto conversas alheias e descobrir novos lugares. Ela compartilha com a gente seus anos vivendo em São Paulo e as novas aventuras nas ruas de Nova York, onde lidera tours longe dos clichês da Big Apple.
1- Você morou algum tempo em São Paulo. Como foi acolhida pela cidade e o que criou a partir da curiosidade em descobri-la?
Eu morei duas vezes em São Paulo, em duas épocas diferentes da minha vida. A primeira vez que fui para São Paulo morei lá quase três anos e meio; tive que voltar de pressa para Itália e nunca pensei que eu pudesse voltar ao Brasil, senão de férias. Mas voltei, e fiquei quase 4 anos. Por um total de sete.
A primeira vez eu não tinha filhos, trabalhava num escritório e estudava a noite. Não tinha tempo para explorar, nem sabia que esta era a minha verdadeira paixão. Só percebia o charme da cidade pela janela do carro quando eu ia para alguma reunião. Sim, o charme, eu acho São Paulo encantadora, interessante nos detalhes e nas suas imperfeições. O que gera interesse em mim. Mas não tendo tempo à disposição não conseguia aprofundar o assunto. Então a primeira vez que fui para São Paulo eu fui acolhida com a pressa e o ritmo intenso do trabalho que a cidade tem, que muitas vezes os estrangeiros ignoram, pensando que o Brasil é só palmeiras, praias e festas. Mas eu acho que eu dei muito pouco de mim para cidade e a cidade não deu muito para mim. A relação foi mais árida.
A segunda vez que eu voltei tinha dois filhos pequenos, bem pequenos e alguns trabalhos de freelance. Apesar de estar cansada quase sempre, eu tinha um luxo: tempo. E fui a busca da minha paixão, do que me movia na vida, pois eu podia sacrificar parte do tempo que dedicava para minhas crianças só por alguma atividade que fizesse realmente sentido. Este aqui é também um luxo, eu sei. Sempre fui exploradora, sempre adorei mudar o caminho, perceber os detalhes, descobrir cada cantinho e, no geral, ouvir as histórias que a cidade tem pra contar. Cidades contam muitas histórias. Então eu acho que escutei muito o que São Paulo tinha para me dizer e ela falou muito pra mim.
FOTO por Viviana Venneri @ NY
Fiz este exemplo para dizer que nós meus onze anos fora da Itália entendi que é o jeito que você se coloca na frente de um lugar que muda muita coisa. Pode parecer banal, mas não é. É uma escolha. Mesmo quando não é fácil. Nunca falei que é coisa simples.
Uma diferença, porém, que de repente pode ser interessante: em São Paulo eu sempre fui a estrangeira. Com todos os prós e os contras. Prós, se eu fazia algo errado, tinha sempre alguém para me justificar, para entender que o erro era cultural. Contra, já ouvi pessoas falar: você não é brasileira, você não entende. Eu sempre seria a italiana no Brasil. Mesmo depois de vinte anos de vivência.
Bem pelo contrário, desde a primeira vez que eu pisei em NY eu fui cidadã da Big Apple. Prós, você pertence àquele lugar, é uma sensação poderosa; contra, você não pode fazer erros, pois ninguém vai perdoá-los com a desculpa que você é de outra cultura. Tem que se virar.
2- Para uma Milanesa, houve algum grande choque cultural?
Em São Paulo, sim. Mas eu acho que o Brasil no geral me ensinou muito. Nós, os “milanesi”, somos bastante fechados, em comparação com os outros italianos, do sul por exemplo. Aprendi a dar mais, a relaxar um pouco, a procurar o contato, a troca, a famosa troca humana de que eu sempre falo. O Brasil me ensinou que a vida é a arte do encontro. E para mim é isso que importa hoje. Não me dou bem com pessoas pouco generosas nas relações humanas e não estou falando de generosidade material: prefiro então as pessoas chatas, loucas, contraditórias, bizarras. Não as cafonas e as insensíveis, elas me dão medo. E com certeza não gosto das pessoas que nunca tem tempo para trocar experiências, ideias, pensamentos, para compartilhar algo de si, opiniões, momentos de vida. E este foi o grande choque cultural em Nova Iorque: aqui ninguém tem tempo. Muitas relações são transacionais: você me dá e eu te dou. Pronto. Tchau. Quem não tem tempo não é generoso, falou num livro dela a Daria Bignardi, maravilhosa escritora italiana contemporânea. Concordo 100%. Mas uma coisa que eu percebi aqui é que andando um pouco mais devagar, olhando nos olhos, fazendo um sorriso, mesmo que isso canse, dando importância à algumas pessoas, tanto conhecidas como não, é possível cultivar relações. Vou te falar no futuro se as raízes destas sementinhas que estou plantando serão profundas ou não, não sei dizer agora. De novo. Só o tempo para descobrir.
3- Hoje, vivendo em Nova York, como tem feito da cidade seu modo de vida e de trabalho?
A cidade é minha tela branca e começo a pintar alguns detalhes que atraem a minha atenção. E a partir de lá começa o meu mergulho, faço cortes na tela para buscar algo que não dá para ver no primeiro instante. Depois volto à superfície e coloco todos os elementos lá, juntos, a colorir meu quadro. E os elementos mais interessantes são sempre as pessoas.
Estava lendo um livro, outro dia, no ônibus, que conta a biografia de nove mulheres artistas, “Nine Street Women”: a Mary Gabriel, a autora, fala que ela preferiu não contar as histórias destas mulheres seguindo uma ordem cronológica vertical, mas respeitando as influências, as inter-relações horizontais que existiam nas vidas delas.
Eu descrevo a cidade para as pessoas que andam comigo (não posso dizer turistas, pois não são turistas muitas vezes) assim. A história é o ponto de partida, imprescindível. Mas os laços que existem entre os fatos e as pessoas, e entre as pessoas mesmas, fazem toda diferença.
4- Milão, São Paulo, Nova York… cidades icônicas e globais. Como descobrir seus mistérios?
Esta pergunta é a minha favorita. Sabe por quê? É mais fácil descobrir os mistérios de cidades menos icônicas, como Milão e São Paulo, do que os mistérios de uma cidade icônica como Nova York, tão icônica onde parece que tudo já foi dito, falado, visto, onde muitas pessoas que não a conhecem bem já pensam saber tudo quando vêm e querem só tirar fotos perto de monumentos ou lugares mais fotogênicos, muitas vezes só para enviar para os amigos. Isso me chateava bastante no começo. Então eu tive que descobrir os mistérios criando os meus caminhos, encontrando as minhas pessoas.
5- Qual é a ferramenta principal para se adaptar a novos lugares, na sua opinião?
Eu aprendi uma coisa importante da primeira experiência que eu vivi em São Paulo: eu demorei para me adaptar, chorei muito no começo e chorei muito na volta para Milão. Então entendi que não dá para viver com saudade de tudo e de todos. Claro que precisamos tomar conta do fato que o processo de adaptação demora, precisamos de tempo para nos sentirmos em casa. E para mim é bom utilizar todas as estratégias que temos a disposição para superar estas dificuldades: amigos, mesmo os que estão longe, psicólogos, cursos, meditação, viagens, esporte. E também ter noção do que provavelmente esta experiência um dia vai acabar. E pode ser que nos sentiremos saudade e pode ser que lembraremos dela de um jeito diferente, menos duro, e a nossa cabeça vai omitir as dificuldades que a gente passou e vão ficar as coisas boas. Não dá para generalizar, obviamente. Mas as vezes é o jeito que a gente, nós, seres humanos, temos de lembrar.
Entrevista: Isadora Calil, Comissão Nuovi Arrivati