Stefano Beretta compartilha com o COMITES sua jornada pessoal e profissional em nosso país, além das nuances culturais que percebe em relação à Itália.
Sempre no intuito de partilhar experiências de recém-chegados da Itália no Brasil e no mundo, a comissão Nuovi Arrivati traz ao site do COMITES entrevistas exclusivas com pessoas que dividem seu olhar e repensam sua identidade onde chegam.
Desta vez, falamos com Stefano Beretta, psicólogo formado pela Università di Milano-Bicocca e psicanalista pelo Centro de Estudos Psicanalíticos (CEP). Ele atende adultos e adolescentes em consultório particular em São Paulo, onde mora há cinco anos.
- Como foi sua carreira na Itália na área da saúde mental?
Comecei trabalhando por duas cooperativas como acompanhante terapêutico para adolescentes com diferentes problemáticas. Através de um estagio durante o final da faculdade, consegui participar de dois projetos da duração de um ano da região Lombardia contra a difusão da ludopatia, a dependência patológica do jogo de azar. Além disso, abri o meu consultório particular. A carreira no setor psicológico é difícil, não só pela precarização do trabalho, mas também pela cultura psicológica na Itália. É muito mais comum ter um acompanhamento psicológico aqui no Brasil. Isso se deve essencialmente a questões culturais e ao pouco reconhecimento institucional da prática psicológica.
- Há quanto tempo você está no Brasil e como foram os primeiros momentos em nosso país?
Estou no Brasil há sete anos, morei em BH, Rio e agora estou em São Paulo há 5 anos. Lembro que as pequenas diferenças pareciam gigantescas, desde a maneira de como são feitas as refeições até às modalidades de interação entre as pessoas. Mas o mais difícil foi encontrar uma boa quantidade de trabalho. Até chegar em SP isso era uma questão importante da minha vida.
- Como psicólogo, como foi continuar trabalhando em sua área aqui? Houve dificuldades?
Passei por algumas dificuldades, mas diria como em todos os trabalhos autônomos. Networking, clientes, reconhecimento…isso se construiu ao longo do tempo. Talvez, o que realmente foi complicado para mim foi o reconhecimento do diploma, que demorou quase um ano e meio para completar o processo. Também, o aperfeiçoamento da língua foi algo de necessário e que criou uma certa pressão, devido à minha profissão.
- Culturalmente, como você sente as nuances entre atender no Brasil e na Itália? Os temas que afligem as pessoas nas duas sociedades são diferentes?
Acho que os sofrimentos experimentados pelos sujeitos na Itália e no Brasil não são muito diferentes. O que nos incomoda, o que nos faz chorar, o que nos deixa feliz são coisas muito similares. Me parece que as diferenças maiores refletem, de alguma forma, nas disparidades de recursos entre os dois países. Por exemplo, a não-gestão da pandemia no Brasil deixou rastros importantes nas pessoas. Claramente, o sofrimento foi alto também na Itália, mas com uma presença das instituições e das ajudas sociais é maior do que aqui. Outro exemplo é a falta de recursos públicos para toda a população no Brasil, que infelizmente reverbera na saúde psíquica das pessoas.
Ao mesmo tempo, o reconhecimento da importância do papel do psicólogo e, em particular, do psicanalista é maior aqui. Eles ocupam o espaço do debate público e da militância política em maneiras impensáveis na Itália. Isso faz com que o trabalho psicológico ganhe mais potência e difusão no Brasil, fato que acho árduo na Itália, onde a última grande inovação foi a Lei Basaglia, há 40 anos atrás, voltada para o fechamento dos manicômios. Atualmente, esta vitória no campo da saúde mental está sendo rediscutida no atual governo de extrema direita de lá.
- Qual o maior desafio de ser um nuovo arrivato e quais as melhores ferramentas que você encontrou para se inserir melhor na nossa sociedade?
Acho a adaptação ao país não é a parte mais complicada. O Brasil é, de fato, uma país acolhedor (com os povos brancos…), e São Paulo tem um carinho especial pela Itália. A parte que acho difícil de ser um nuovo arrivato é lidar com a saudade. A distância e os preços das passagens impedem de visitar os nossos quando quisermos. Mas podemos matar a saudade com a grande comunidade italiana em SP, que organiza eventos através do Comites ou grupos mais informais. O que me ajudou a me inserir foi a procura de pessoas com os meus mesmos interesses – que fosse futebol, psicanálise, política, Itália…mas não é tão simples. Demora um tempo e exige da gente um movimento pessoal: ficando parado nada vai acontecer.
Entrevista: Isadora Calil, Comissão Nuovi Arrivati