Há mais de duas décadas no nosso país Paolo Tagioni nos conta com foi sua recepção e permanência aqui.
No intuito de partilhar experiências de recém -chegados da Itália no Brasil e no mundo, a comissão Nuovi Arrivati traz ao site do COMITES entrevistas exclusivas com pessoas que partilham seu olhar e repensam sua identidade onde chegam.
Conversamos com Paolo Tagioni, de Prato, que atualmente mora no interior de Santa Catarina onde é professor de sociologia da IFSC, onde trabalha há dois anos. Com passagens em diversas cidades do Brasil, ele nos conta os desafios e os contrates que enxergou em relação a seu país de origem.
1 – Por que a escolha pelo Brasil e como foi sua adaptação aqui?
A escolha muito casual. Eu estava procurando na época uma nova experiência na América Latina depois de morar no México, mas buscava um país de língua espanhola. O contato que o orientador lá tinha era na Universidade de São Paulo (USP) e consegui uma ponte para uma bolsa de pesquisar através de uma professora que conheci em Roma. A ideia era fazer um ano de pesquisa, que se desdobrou em outras coisas. A adaptação no ambiente acadêmico foi boa conheci pessoas que me ajudaram a achar um lugar para morar e fazer novos contatos. São Paulo é uma cidade grande e preparada para receber estrangeiros e estava num ambiente muito estimulante. Cheguei em 2002 quando o Brasil dava oportunidade para muita gente e era o país da moda. Passei muita coisa nesses vinte e dois anos e como mudança o que mais percebo é a legislação para estrangeiros.
2- Chegando em nosso país, você conseguiu se recolocar no mercado como o que fazia na Itália ou teve outros trabalhos?
Foi difícil me recolocar no mercado de trabalho, porque ainda estava vigente o Estatuto do estrangeiro, o que dificultou minha colocação, pois esta lei via pessoas de fora como ameaça. O que consegui foi uma bolsa de estudo para um mestrado em comunicação e depois migrei para Letras. Criei meu percurso, mas trabalhar mesmo era muito difícil. Até hoje o Brasil tem 0,8% de imigrantes, devido ao fechamento deste estatuto criado pela Ditadura Militar.
Consegui me colocar por casamento, quando conheci minha primeira esposa, e migramos de São Paulo para Cuiabá e depois de seis anos já me sentia meio cansado de estar na metrópole paulista. Gostei menos de Cuiabá que nem parecia uma capital, porque a percebia mais provinciana. Consegui passar num concurso no Instituto Federal de Mato Grosso, mas minha posse foi negada, porque é proibido na Constituição aos estrangeiros fazerem concursos públicos, salvo nas Universidades. Eu entrei na justiça para mostrar que era uma instituição qualificada com universidade e não ensino médio. Passei um ano desempregado, enquanto o juiz avaliava o caso.
Depois mudei para Cáceres, uma cidade do interior muito linda, na beira do Rio Paraguai, no Pantanal. Amei morar naquela cidade, com pessoas calorosas, simpáticas e atenciosas. Depois disso já estava como professor concursado no Instituto Federal de Mato grosso, depois de ter ganhado o caso, e me afastei para fazer doutorado em São Carlos, na UFSCar. Já fazia uma década que morava no Brasil.
Caceres – MT
Na sequência, me mudei para Florianópolis, onde fiquei antes e durante a pandemia e dando aulas online na Federal do Mato Grosso. Gostei da capital catarinense, mas achei muito supervalorizada. Lá casei de novo e tive uma filha. Consegui uma transferência para Santa Catarina na IFSC e moro e trabalho em Caçador atualmente, mas sempre vou a Florianópolis para ficar com a minha filha.
3. Em quais cidades no Brasil você já morou? Alguma é sua preferida?
Os lugares que mais gostei foram São Paulo, pela urbanidade, e interior do Mato Grosso, pela natureza. Mas já morei em diversos lugares como Cuiabá, Florianópolis e hoje estou em Caçador, interior de Santa Catariana.
4- De qual região italiana você é? Quais semelhanças e diferenças vê em relação ao que encontrou aqui?
Eu sou da Toscana, de Prato, uma cidade média a 15 km de Florência. É difícil ver semelhanças com este lugar. Eu me sinto mais em casa em São Paulo e no interior de Santa Catarina, onde tem uma cultura italiana mais forte. Comparar é difícil, porque são coisas muito diferentes. Eu morei em Florença onde tudo parece muito velho devido a mentalidade das pessoas, que acham que tudo já está perfeito. Quando você vai para uma metrópole como São Paulo, você vê a renovação constante e o burburinho, aliás uma característica do Brasil. Eu brinco quem nasceu na Itália já tem 500 anos no mínimo ou mais, por causa do ambiente que frequenta. Diferente da mentalidade mais jovem do Brasil.
Av. Paulista – Foto: Daniel Gonzales @indefinible
Presenciei muitas coisas que me chocaram no cenário político do Brasil, já que pensava que o país tinha uma democracia consolidada. Cheguei a ficar receoso de morar aqui nos últimos anos, devido à minha leitura como cientista político. Agora me sinto mais tranquilo com as mudanças na conjuntura e a normalização do regime democrático
5 – Sente saudades da Itália? Espera voltar algum dia?
Não tenho saudades de lá. Durante meu doutorado passei seis meses na Itália e tento voltar todos os anos para visitar a minha família e passear. Sinto falta da vida cultural de Florença, mas em São Paulo também havia uma cena moderna e extremamente interessante. Mas quando mudei para os interiores, senti a diferença. Gostei muito de Cáceres porque no lugar da cena cultural havia a natureza exuberante do Pantanal, era um sonho morar lá, o que supria a falta de outras coisas. As outras cidades são interessantes para outras coisas, por exemplo, criar uma filha mulher em Florianópolis pode ser melhor para ela. Sempre que venho para Itália vejo que não pertenço totalmente mais a este país, então não penso em voltar.
O Brasil tem problemas, mas há também cuidados com idosos, crianças e gestantes, algo que não vejo na Itália. Lá vejo que os idosos são mais autossuficientes e vejo um cuidado menor com possíveis problemas. Claro que há uma diferença grande entre o sistema de saúde brasileiro e italiano, sendo este melhor. Mas ainda tenho muitos anos pela frente para usufruir disso.
Vista da janela de Paolo na Avenida Paulista. Fotos por Daniel Gonzales @indefinible
Entrevista: Isadora Calil, Comissão Nuovi Arrivati