Falamos com a fotógrafa Sara De Santis, nascida no sul da Itália, que enxergou novos horizontes artísticos através da música brasileira e da vida na paulicéia.
No intuito de partilhar experiências de recém-chegados da Itália no Brasil e no mundo, a comissão Nuovi Arrivati traz ao site do COMITES entrevistas exclusivas com pessoas que partilham seu olhar e repensam sua identidade onde chegam.
Entre idas e vindas ao Brasil, a fotógrafa e musicista Sara De Santis compartilha suas descobertas em nosso país, muito além de seu trabalho inicial com fotografia, profissão aprendida em Milão, que abriu portas em São Paulo e outros lugares para ela. Em trabalhos recentes, Sara fotografou Anitta, estrela do funk, para a Revista Rolling Stones dos Estados Unidos e fez turnês internacionais com músico brasileiro como corista.
- O que te trouxe ao Brasil e como foi a sua recepção aqui?
A primeira vez que estive em São Paulo, em dezembro de 2011, foi para passar três semanas com minha nonna Antonietta e conhecermos uma parte da nossa família que imigrou nos anos 50 para Santo André. Mas o meu interesse pelo país começou antes, em Paris, onde tive contato com a música brasileira e estive rodeada de brasileiros, muito marcantes para mim. Aliás, a primeira vez que fui a um samba foi na capital francesa, em 2010.
Mas, de fato, a minha mudança para São Paulo aconteceu em agosto de 2013, onde – entre idas e vindas – comemoro uma década aqui daqui há dois meses. O que me trouxe para cá foi a música e a vontade de como fotógrafa tentar repensar meu olhar sobre a ideia de Cidade e o conceito de beleza. Afinal, “O que é belo?” Lá em 2011, São Paulo me pareceu a cidade mais feia que tinha visto até aquele momento.
A paisagem priva de alguma lógica aparente e me desestabilizou logo de cara. A minha vinda foi produto do fascínio por descobrir uma nova cultura, me desafiar e a paixão por música brasileira. Além disso, esteve presente a ideia de viver numa região metropolitana de 20 milhões de pessoas, já que eu venho de uma cidade do sul da Itália chamada Termoli, com 30.000 habitantes.
A minha recepção foi incrível, porque assim que cheguei fiz um estágio com o coletivo de fotógrafos chamado na época Cia de Fotos, cujo fundador, Rafael Jacinto, continua sendo meu amigo querido. Logo no primeiro mês também comecei a colaborar com o Festival Paraty em Foco, dirigido pelo Estúdio Madalena, criado pelo fotógrafo e curador Iatã Cannabrava. Assim, a minha chegada foi marcada por uma imersão no mundo da fotografia.
- Você conseguiu, num primeiro momento, trabalhar aqui com o que fazia na Itália?
Sim, até porque era obrigatório na formação que fiz em Milão fazer um estágio e fui a única entre os meus colegas que logo começou a trabalhar, sem passar pela assistência (muitas vezes não remunerada) para algum fotógrafo famoso, como muitos de meus amigos na Europa fizeram. Então, logo nos primeiros meses trabalhei no Paraty em Foco, colaborei com o Instituto Moreira Salles – fotografando e gravando entrevistas para a exposição do fotógrafo emiliano-romagnolo, Luigi Ghirri, chamada “Pensar por imagens”–; e com o tempo fui criando minha rede de clientes, no miolo do meu ofício, onde ao longo de dez anos passei a ter várias amigas brasileiras fotógrafas, como as talentosas Luisa Dörr e Talita Virginia.
Ano passado, tive a oportunidade de retratar a Anitta para a Rolling Stones norte-americana, algo que sinto que aconteceu por eu ter uma carreira longa aqui no Brasil
- Além de fotógrafa, você também tem outras explorações artísticas. Como consegue dar vazão a elas em nosso país?
Uma coisa que o Brasil desencadeou em mim foi esta possibilidade de me jogar nas coisas, sem ter que pedir muita licença para algum tipo de autoridade acadêmica, diferente da Itália onde às vezes me senti como se eu precisasse sempre ter alguém para legitimar os meus interesses.
Foi aqui que voltei a estudar violão e a cantar, algo que nunca pensei tivesse possibilidade de fazer. Foi muito libertador para mim me enxergar como musicista e não vejo outro lugar para algo assim acontecer que não seja no Brasil. Eu tive a possibilidade de fazer duas turnês internacionais como corista do cantor e músico Sessa – uma em 2019, nos Estados Unidos, e outra na Europa, em 2021.
- Tem saudades da Itália?
Tenho, mas conforme eu envelheço, eu começo a pensar que “casa” é um conceito muito variável. Claro que é confortável estar no seu próprio país e falar o seu idioma, mas ao mesmo tempo eu tento acreditar que “casa” é onde nos sentimos melhor entendidos e por muitas razões eu me sinto compreendia aqui em São Paulo, onde voltei a morar em dezembro de 2022, depois de ter passado boa parte da Pandemia na Itália. Lá aconteceram muitas mudanças na minha vida e da minha família. Meus pais contraíram COVID e foram para UTI. Meu pai, infelizmente faleceu, em novembro de 2020.
Neste retorno a São Paulo, procuro há sete meses me re-entender na metrópole pós-pandêmica, onde por enquanto quero continuar vivendo.
5- Pretende seguir em São Paulo ou há outras cidades no Brasil em que gostaria de morar?
Queria muito conhecer Belém do Pará. Estou apaixonada pela comida, a música e, sobretudo, o sotaque! Mas ,por ora, não sei se me enxergo em outro lugar que não seja aqui. Com certeza não me vejo morando numa cidade do interior, uma cidade provinciana parecida com o lugar onde nasci. Se este fosse o caso, acredito que eu não faria isso no Brasil; penso que voltaria para a Itália.
Entrevista: Isadora Calil, Comissão Nuovi Arrivati
Fotos da matéria: @sadesantis