Artefatos e lembranças: a casa de uma expatriada italiana
Raffaella Tarassi deixou Milão em 2008 para uma vida globalizada com novas sensações em lugares distantes e concepções do que é criar um lar.
No intuito de partilhar experiências de recém -chegados da Itália no Brasil e no mundo, a comissão Nuovi Arrivati traz ao site do COMITES entrevistas exclusivas com pessoas que partilham seu olhar e repensam sua identidade onde chegam.
A milanesa Raffaella Trasassi deixou a Itália e passou por lugares como Luxemburgo, Singapura e México até chegar ao Brasil, em 2021. Originalmente formada em Administração, decidiu em sua estada na Ásia abraçar uma paixão e se profissionalizar como Designer de Interiores. Chegando ao México, fundou sua própria empresa com foco de ajudar sobretudo mulheres em processos de transição a criar um espaço que reflita seu novo estilo de vida.
Como hobbies, ama cozinhar ler e visitar museus. Ao descobrir novas culturas, desenvolveu um amor pelo artesanato de origem indígena que, nas palavras dela, “é um patrimônio cultural que precisamos preservar e valorizar”.
Confira o relato dela e sua trajetória de múltiplos destinos e interesses.
1- Quando você saiu da Itália e quais eram suas expectativas ao viver como expatriada? Qual foi o sentimento ao chegar em lugares diferentes?
Saí de Itália em 2008, quando encontrei um emprego em Luxemburgo. Meu namorado (agora marido) já trabalhava lá há um ano e eu ia visitá-lo frequentemente. Mover-se dentro da Europa não é complicado para um europeu: pode regressar à casa num espaço de tempo muito curto, para muitos países não é necessário visto e, acima de tudo, existem bases culturais comuns que facilitam a adaptação. Foi mais complicado quando nos mudamos para Singapura em 2014; foi a primeira vez que viajei para a Ásia, nunca tinha sentido aquela umidade na pele, nunca tinha sentido certos cheiros ou visto certos tipos de frutas e legumes no supermercado, tive que reconfigurar completamente o meu cérebro!
Viver no exterior dá claramente a oportunidade de aprender sobre novas culturas de uma forma mais autêntica, mas acredito que é acima de tudo uma bela escola para aprender sobre si mesmo, mudando completamente a sua perspectiva em comparação com a perspectiva mais tradicional que você tem crescendo no seu país de origem.
Milano
2- Desde quando mora no Brasil e como foi recebida? Foi possível continuar trabalhando com o que fazia antes de chegar aqui?
Mudei-me para São Paulo em agosto de 2021. A pandemia ainda não havia acabado então a adaptação foi difícil sob certos pontos de vista. A primeira rede de pessoas que me acolheu, como acontece frequentemente, foi a das famílias expatriadas da escola dos meus filhos, até porque eu não falava português. Depois de cerca de um ano também comecei a conhecer brasileiros.
Voltar a trabalhar também não foi fácil por dois motivos: o primeiro é que minha profissão é concebida de forma diferente aqui no Brasil, então tive que estudar e me atualizar; o segundo é que trabalho muito graças ao boca a boca e, por não conhecer ninguém, tive que antes de mais nada criar uma rede de conhecidos.
Criar uma nova vida num novo país é um processo que leva tempo e é muito diferente visitar uma cidade para fazer turismo ou mudar-se para lá para viver, as prioridades e necessidades são totalmente diferentes.
São Paulo não foi mais difícil que outras cidades.
3- Há algumas tradições de sua região que segue mantendo e ensinando aos seus filhos?
Um clichê: adorando cozinhar, procuro manter viva a cultura italiana através da culinária, meu marido, por outro lado, através do futebol.
Ossobuco alla Milanese
4- O que mais encanta no Brasil e o que reconhece como a maior diferença com a Itália?
Estou gostando muito de morar no Brasil! Quando morei em Singapura, disse ao meu marido que me mudaria para qualquer lugar – exceto América do Sul, México e Brasil; porém, foram duas surpresas maravilhosas que mudaram totalmente minha vida. Amo profundamente a alegria de viver da América do Sul, o carinho e a consciência das pessoas que “tudo vai dar certo”, tudo isso muitas vezes falta na Itália, temos muito que aprender! Na América Latina adoro que tudo mereça ser comemorado, ainda se dá muita importância a estarmos juntos em torno de uma mesa bonita, com boa comida e bem vestidos. O prazer de viver a vida junto com quem amamos!
Aqui em São Paulo sou muito fascinada pela curiosidade das pessoas e pela vontade de ir ao fundo das coisas. Me inscrevi em um curso muito interessante de história da filosofia ministrado por um professor brasileiro e uma vez por semana me encontro com um grupo de mulheres e outro professor universitário para um laboratório de leitura, em que há alguns meses estudamos os irmãos Karamazov de Dostoievsky. Nunca pensei que me aproximaria de novo da filosofia e da literatura no Brasil, mas aconteceu e são dois compromissos semanais que não posso mais prescindir.
5- Morando há tantos anos no exterior, o que você considera como elementos que você percebe como “casa”, mesmo exposta a diversas culturas?
Casa para mim é onde moro, onde estão as minhas coisas. Quando volto para a Itália, não vou para minha casa, volto para a casa dos meus pais. Quando nos mudamos de um país para outro, levamos todas as nossas coisas conosco e a chegada do contentor é sempre um momento de grande emoção porque nesse momento a casa que alugamos finalmente transforma-se na Nossa Casa.
O conceito de casa é claramente algo sobre o qual reflito muito no meu trabalho também. Para mim, a casa é a principal manifestação da vida e personalidade das pessoas que nela vivem, colecionar objetos que representam a nossa história e as nossas viagens é uma das minhas maiores paixões. Assim como é importante para mim que os meus filhos cresçam conhecendo a cultura italiana, é igualmente importante que não se esqueçam da Ásia, do México e do Brasil – e esta função é desempenhada justamente pelos móveis e objetos que decoram a nossa casa tornando-a única, como a nossa história.
Entrevista: Isadora Calil, Comissão Nuovi Arrivati