Neste ano, iniciamos os trabalhos da comissão de recém-chegados da Itália no Brasil e outros lugares do mundo ouvindo muitas experiências, que criaram um mosaico revelador. O projeto partiu da necessidade de construir espaços para a nova imigração dentro da comunidade italiana já estabelecida. “Organizamos uma comissão de trabalho no COMITES SP justamente para cooptar recém-chegados para as atividades de comunidade e abrir espaço para o diálogo através do conhecimento de quem é o imigrante italiano contemporâneo. Ouvi-los nos pareceu uma estratégia muito eficiente, pois aproxima na mesma medida em que efetivamente abrimos espaço para essas vozes” ressalta Bruno Romi, Coordenador da Comissão de Recém-chegados do COMITES SP.
A nossa primeira entrevistada, Vivianna Venneri, que morou por décadas nem São Paulo até se instalar em Nova York com sua família, explicou as diferenças de acomodação a culturas diferentes, a criação de novos caminhos e finalmente o entendimento de que não é possível estar em um lugar pensando em outro. “Eu aprendi uma coisa importante da primeira experiência que eu vivi em São Paulo: eu demorei para me adaptar, chorei muito no começo e chorei muito na volta para Milão. Então entendi que não dá para viver com saudade de tudo e de todos. Claro que precisamos tomar conta do fato que o processo de adaptação demora, precisamos de tempo para nos sentirmos em casa”, diz.
O tema “casa” foi mencionado por muitos outros entrevistados. A milanesa Rafaella Tarassi, que, tendo diversas vivência fora de deu seu país de origem, fundou sua própria empresa com foco de ajudar sobretudo mulheres em processos de transição a criar um espaço que reflita seu novo estilo de vida. Sobre as voltas a seu país de origem, disse não voltar ao seu lar. “Quando volto para a Itália, não vou para minha casa, volto para a casa dos meus pais. Quando nos mudamos de um país para outro, levamos todas as nossas coisas conosco e a chegada do contentor é sempre um momento de grande emoção porque nesse momento a casa que alugamos finalmente transforma-se na Nossa Casa”.
Muitos Nuovi Arrivati desenvolvem atividades empreendedoras que às vezes divergem daquilo que faziam na Itália. Sara Colombo chegou no Brasil em 2014, primeiro morando no Rio de Janeiro e mais tarde se transferindo para a capital paulista. Formada em engenharia de produção, tem grande paixão pelo mundo empresarial e abriu junto com uma amiga uma escola de italiano, a Stazione Italia. Como ela nos contou, isso representou uma diferença enorme já que desenvolve outros tipos de atividades. “Faço consultoria de relações públicas e marketing num escritório de advocacia, onde sou um exemplo de diversidade, já que sou engenheira e não advogada. Outro ponto, é ser uma mulher estrangeira num ambiente predominantemente”. Sara também é Presidente do Comitê de Mulheres de Negócios da ItalCam.
Outros, como Stefano Beretta, mantiveram a mesma linha de atuação no Brasil que tinham do outro lado do oceano, apesar de algumas dificuldades. Tendo passado por duas cooperativas como acompanhante terapêutico para adolescentes com diferentes problemáticas, através de um estágio durante o final da faculdade na região da Lombardia, além de dois projetos com duração de um ano contra a difusão da ludopatia, a dependência patológica do jogo de azar, ele, baseado em São Paulo, precisou trabalhar seu networking para atender em seu consultório. “Talvez, o que realmente foi complicado para mim foi o reconhecimento do diploma, que demorou quase um ano e meio para completar o processo. Também, o aperfeiçoamento da língua foi algo necessário e que criou uma certa pressão, devido à minha profissão”, diz.
Outra recém- chegada que manteve seu ofício foi Sara De Santis, cuja primeira vez no Brasil foi acompanhada de sua avó para visitar parentes na região metropolitana de São Paulo. O amor pela música brasileira e pelo jeito de viver nos trópicos motivou seu retorno para viver por uma década, entre idas e vindas, na capital paulista. Fora isso, ela descobriu uma verve artística que vai além da sua profissão de fotógrafa, pois “foi aqui que voltei a estudar violão e a cantar, algo que nunca pensei tivesse possibilidade de fazer. Foi muito libertador para mim me enxergar como musicista e não vejo outro lugar para algo assim acontecer que não seja no Brasil. Eu tive a possibilidade de fazer duas turnês internacionais como corista do cantor e músico Sessa – uma em 2019, nos Estados Unidos, e outra na Europa, em 2021”, relata.
Num tom mais temático, a economista, professora de italiano e estudiosa de moda Giulia Di Silvestro foi também uma das entrevistadas e comentou sobre as diferenças e as nuances da moda entre os dois lados do Atlântico. Uma “brechozeira” assumida, ela disse enxergar um país mais alegre e descontraído por aqui. “O que me encanta, no Brasil, o uso sem vergonha da cor. Sabe aquele meme: “Não seja blasé? Seja emocionado?”, pois bem acho que existe emoção na vibração das cores aqui, cores chapadas e super saturadas. Uma coisa que me encanta também é a relação com o corpo que eu acho – falando do meu círculo e da minha bolha– mais relaxado. Existe aqui, ao meu ver, uma aceitação do corpo maior, que se penso nas minhas amizades na Itália, não existe” afirma.
As paisagens exuberantes brasileiras e cidades menos conhecidas do grande público foram mencionadas pelo Toscano Paolo Targioni. Professor de sociologia da IFSC, onde trabalha há dois anos, nosso entrevistado falou sobre sua vida em São Paulo, Cárceres no Pantanal, Cuiabá, São Carlos, Florianópolis e Caçador – também em Santa Catarina. Ele disse não sentir saudades da Itália, apesar de voltar para lá frequentemente para visitar a família. Segundo ele, a vida brasileira e italiana diferem de uma forma interessante, já que “quando você vai para uma metrópole como São Paulo, você vê a renovação constante e o burburinho, aliás uma característica do Brasil. Eu brinco quem nasceu na Itália já tem 500 anos no mínimo ou mais, por causa do ambiente que frequenta. Diferente da mentalidade mais jovem do Brasil”.
A romanhola e musicista, Debora Sanna conhece na Itália duas paisagens diferentes – os cenários incríveis da Sardenha, de onde vem parte de sua família; e “as melhores comidas que você vai conhecer no mundo” na Imola natal. Do contraponto entre nosso país e o seu de nascimento, ela vê uma questão de comportamento. “A primeira diferença entre Itália e Brasil que eu vejo é na forma cordial e gentil que o brasileiro tem em si, enquanto na Itália às vezes falta até o “bom dia”. Isso é extremamente comum lá, uma certa frieza e grosseria (…) Por outro lado, a Itália, falando da Emília-Romanha, tem muito mais cuidado com a natureza, as ruas são limpas, arrumadas e você tem atendimento público de ótima qualidade (porém não sempre 100% gratuito)”.
Entrevistas: Isadora Calil, Comissão Nuovi Arrivati