De Saronno, norte de Milão, Sara Colombo fala sobre o cosmopolitismo das metrópoles onde viveu, reflete sobre seus anos em nosso país e o contato com diversas culturas.
No intuito de partilhar experiências de recém -chegados da Itália no Brasil e no mundo, a comissão Nuovi Arrivati traz ao site do COMITES entrevistas exclusivas com pessoas que partilham seu olhar e repensam sua identidade onde chegam.
Sara Colombo chegou no Brasil em 2014, primeiro morando no Rio de Janeiro e mais tarde se transferindo para a capital paulista. Formada em engenharia de produção, tem grande paixão pelo mundo empresarial e a mudança para o outro lado do oceano foi motivada por seu trabalho numa multinacional. Visando empreender, abriu junto com uma amiga a Stazione Italia, uma escola de língua e cultura italiana. Além disso, atua como consultora de negócios e é Presidente do Comitê de Mulheres de Negócios da ItalCam.
Nesta entrevista exclusiva, ela nos conta mais sobre sua trajetória, descobertas e paixões.
- Quando você migrou para o Brasil e como foi a ambientação num novo contexto cultural?
Eu mudei para cá em junho de 2014, bem no começo da Copa no Brasil, e morei no Rio de Janeiro até o fim das olimpíadas, em 2016, quando me transferi para São Paulo. A minha adaptação no Rio não foi tão fácil, porque achei a cidade extremamente diferente da minha de origem por várias razões. No início, havia uma barreira linguística, porque quando cheguei não falava português, que comecei a estudar desde o primeiro dia. Em um mês eu já conseguia me virar e depois de três, eu diria, já era razoavelmente fluente.
Mas tem algumas grandes diferenças entre a capital carioca e Milão que deixaram minha vida um pouco mais difícil. O fato de ser uma cidade turística cria uma atitude um pouco de exploração de estrangeiros – quanto a cobranças, preços e atitude de fornecedores. O segundo ponto é que tudo lá é muito devagar e isso para mim era enlouquecedor. Um exemplo é passar vinte minutos num quiosque esperando um coco gelado, sendo que ele só vende isso. Em Milão teria sido vinte segundos para ser servida (rs). Achei os cariocas aparentemente muito abertos, mas no fundo pouco acolhedores, como no estereótipo daquele que te convida para ir a sua casa, mas é mais um jeito de dizer do que um convite real. Na Itália, a casa é realmente o lugar onde você convida os amigos para as refeições, por exemplo.
Em São Paulo, onde cheguei dois anos depois, a minha adaptação foi mais fácil e rápida, com exceção ao clima, de que não gosto muito. Posso dizer que aqui estou muito integrada com várias amigas brasileiras, italianas e estrangeiras de outros países. A cidade em si me parece mais próxima do meu ritmo, por ser bem acelerada. Tem a questão do trânsito, de que todo mundo reclama, mas eu acho bem previsível aqui e raramente chego nos lugares atrasada, porque vejo um padrão. Enquanto no Rio, é realmente imprevisível, porque se acontece alguma coisa ou algum acidente, a cidade inteira trava.
- De qual região italiana você é e quais costumes trouxe na mala para este lado do Atlântico?’
Sou de Saronno, no norte de Milão, casada com um romano e sempre passei as férias no sul, à beira mar. O que eu posso dizer sobre o que trouxe comigo é que em algumas atitudes sou bem milanesa, tipo aquele meme do milanese imbruttito, que é a definição daquele para quem tudo tem que ser rápido e que vive para trabalhar. Eu não sou bem assim, mas confesso que não gosto de perder tempo. Por outro lado, sou muito aberta, o que é uma das minhas melhores qualidades devido a minha empatia. Assim, eu consigo lidar bem com as diferenças em todos os sentidos, o que contrasta com o estereótipo do milanês fechado quando comparado, por exemplo, com o italiano de Nápoles.
Eu acredito que estou fazendo a minha parte trazendo a língua e a cultura italiana tendo fundando uma escola chamada Stazione Italia, junto com uma amiga. Eu estou me esforçando para que meus filhos falem italiano e, cada vez que vou para lá, volto com as malas cheias de livros para ler com eles. Eu acho extremamente importante que cresçam num ambiente internacional – nem totalmente focado na Itália ou no Brasil. Gosto muito de uma cultura misturada, “melting pot”, então eu fico feliz em ter amigos que me permitam experimentar vivências e culturas que não sejam na minha de origem nem no meu destino.
Outro ponto que trouxe da Itália, literalmente na mala, é gosto pela modelagem das roupas italianas, que, confesso, funcionam melhor no meu corpo. Eu sei que vou ter que parar, porque só consigo voltar para lá uma vez por ano.
- Das atividades que exerce aqui, algumas delas estão alinhadas com o que fazia profissionalmente na Itália?
Na Itália eu trabalhava numa multinacional e por ela expatriada com meu marido. Eu era diretora de desenvolvimento de projetos internacionais e depois de um tempo saí da empresa para fazer outras coisas. Mas continuo gostando muito de lidar com isso e sigo prestando consultoria neste setor, embora tenha diversificado bastante meu leque de atuação.
Gosto de ser freelance, porque quero controlar minha própria agenda e por isso não voltaria agora para o trabalho empresarial. Outro motivo é que meu marido trabalha em outro estado e fica longe da família durante a semana e, então, quero ter tempo e energia pra ficar com as crianças quando elas voltam da escola.
Além disso, eu sou a diretora administrativa da Stazione Italia e é algo que me motiva muito. Somado a isso, faço consultoria de relações públicas e marketing num escritório de advocacia, onde sou um exemplo de diversidade, já que sou engenheira e não advogada. Outro ponto, é ser uma mulher estrangeira num ambiente predominantemente masculino.
Na mudança da Itália para cá, eu acho que me tornei mais interessante, criei o meu diferencial. Eu me formei em Milão, trabalhei quase vinte anos numa multinacional com culturas predominantemente italiana e americana. Eu acredito que isso faz de mim uma pessoa mais multifacetada para ser contratada no contexto brasileiro, além de que viver num outro país falando outro idioma amplia os horizontes.
- Alguma região em nosso país desperta uma paixão especial?
Em geral amo tudo no Brasil e adoro viajar. Mas um lugar que tocou meu coração foi a cidade de Morungaba, perto de Campinas, onde compramos uma propriedade durante a pandemia e passamos quase um ano inteiro, trabalhando remotamente. Isso mudou muito a vida da nossa família, dando a possibilidade de sair do ritmo frenético da cidade e indo para outro totalmente diferente. No fim, foi sair de uma cena glamourosa e ir para um lugar onde as crianças brincam com todo mundo no parquinho da cidade.
- Morando entre dois países, o que é casa para você? Sente vontade de voltar para a Itália ou se sente feliz aqui?
Esse tema de casa é uma das conversas mais frequentes entre expatriados, por que você tem duas casas, mas nenhuma é isso cem por cento. O país de origem já não é mais um lar, já que não tenho mais meu apartamento lá e porque a minha cultura mudou – eu “tropicalizei”. Então eu não me sinto mais tão em casa lá, mesmo passando um mês a cada ano tentando manter um laço. Aqui no Brasil, por outro lado, eu me sinto feliz e integrada, porém eu sempre serei estrangeira por causa do meu sotaque que chama a atenção das pessoas, apesar dos elogios sobre como falo bem a língua. Do ponto de vista cultural brasileiro, eu nunca entenderei todo os memes e nunca saberei todas a musiquinhas que as crianças dançavam nas festinhas. No fim nos tornamos estrangeiros nos dois lugares.
- O que mais gosta no Brasil?
Com certeza o que eu não conseguiria abrir mão é o lado humano que existe aqui. Os sorrisos de todos e a simpatia de falar um “Oi, como vai?” é algo sincero, diferente da Europa. Além disso, como as crianças são tratadas revela que todo mundo gosta e tem paciência com elas. Por exemplo, os médicos aqui te chamam pelo nome e respondem a dúvidas mesmo que seja no sábado ou no domingo. Eu realmente amo isso aqui.
Entrevista: Isadora Calil, Comissão Nuovi Arrivati